É como cegar de repente. O escuro. O frio. O vazio. A dor. O desespero. O mundo parece ter parado de girar, a minha respiração suspensa por um fio. As vozes dos outros chegam-me de longe, como ecos distantes. A sensação estranha de estar a viver um filme onde eu não entro, onde a vida não é a minha... Tu sabes que eu não te perdoo. Nunca te perdoarei. Intimamente, tu sabes que a nossa vida jaz espalhada pelo chão, partida em mil e um pedaços... Tu sabes o que o meu corpo significa para mim. É a única coisa que possuo de verdadeiramente meu, que eu entrego só a quem eu quero, só a quem eu amo. O amor não se pede, não se exige... e no entanto exigiste-o, o meu corpo que eu não te queria dar. Tomaste-o pela força, contra a minha vontade, o meu sentir, a minha ausência de desejo de ti, só porque és maior e mais forte do que eu. E no fim acho que o percebeste, o meu nojo de ti. A minha raiva. Não, não te perdoo...
Esta noite em que não dormi, decidi uma série de coisas. Amanhã quando chegares, não estarei nesta casa, não dormirei aqui. Encontrarás o meu lugar vazio, como o meu coração. E não irei às aulas, preciso do dia para pensar, para estar sozinha. Não sei o que vou fazer, por onde vou andar, sei que vou deixar os miúdos na escola e seguir sem destino até onde o carro me levar... Não quero saber onde. Vou.
Foi difícil, o dia de hoje. Trabalhei oito horas, falei com pessoas, conversei, numa espécie de sonambulismo, como um fantasma, um corpo vazio de alma... Preciso de regressar a mim. O mais rápido possível. Preciso de chão. E de norte.
E não te preocupes, não quero nada de ti. Sossega. Traz todos os papéis que quiseres, eu assino.
O do divórcio também. Especialmente esse, eu assino.