domingo, 8 de fevereiro de 2009

Dar tempo ao Tempo


Li nos livros como vai ser. Agora já sei e posso contar-te o que descobri.
Dizem que no início dói muito... a vida é um vazio terrível... um buraco enorme, escuro e gelado. A pessoa que amamos é o nosso primeiro pensamento e o último, antes do sono nos libertar deste inferno de desespero. Recordámo-la todos os minutos do dia, como uma obsessão que nos enlouquece... Perdemos o apetite... Acordamos várias vezes durante a noite e temos dificuldade em voltar a adormecer. Não conseguimos libertar-nos e nada nos dá alegria ou prazer... nada nos interessa. No princípio é assim. Dizem os livros.
Depois, os dias passam e a certa altura apercebemo-nos que começamos a evocar o outro cada vez mais tarde. Primeiro ao almoço... depois ao fim da tarde... finalmente só antes de dormir. Andamos menos tristes e já conseguimos sorrir, falar com o mundo, concentrar-nos nas tarefas quotidianas e rotineiras.
Tempos depois descobrimos que já não é todos os dias que nos lembramos da pessoa que perdemos. Apenas algumas vezes durante a semana, mas são memórias fugazes, a propósito de acontecimentos externos: uma palavra dita do mesmo modo, um sorriso semelhante, uma peça de roupa parecida... uma música que escutamos de repente. Algo nos traz o outro de volta mas já não dói como doía... é só uma saudade agitada que sacudimos com nervosismo e conseguimos mandar embora. Nesta altura teremos compreendido que é inútil continuar a perseguir sonhos e teremos desistido de lutar.
Vem depois, naturalmente, a última parte: relembramos a pessoa que amámos tanto porque é Natal... porque é Páscoa... porque hoje é o seu aniversário... porque foi nessa data que nos amámos pela primeira vez. E a memória vem, fica um bocadinho abraçada a essa lembrança já esbatida, quase perdida... e vai embora sem nos tirar o chão ou nos fazer perder o equilíbrio. Nesta fase estaremos curados e já não haverá amor no nosso peito. O Tempo terá levado tudo embora, as coisas boas e as coisas más... até a saudade. Os livros dizem que é assim.
Devia ser disto que tu me falavas... devia ser isto que tu me querias dizer quando defendias o Tempo... Quando dizias que o Tempo cura a dor e deixa lugares vazios no coração.
Sossego pois. Parece fácil e vou esperar que tenhas razão. Vou esperar o dia em que queira recordar este amor e não consiga porque o Tempo o dissipou, o roubou de mim para sempre.
Mas... sabes, quando esse dia chegar, eu serei menos feliz... Eu serei pouco diferente das feras enjauladas que desistem de lutar pela liberdade e resignadas, ficam de olhos vazios e parados à espera de uma morte qualquer e que sem o saberem, de algum modo já estão mortas. Porque se resignaram.
Estão mortas desde que resignadas, desistiram e decidiram dar tempo ao Tempo.

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