Estou de férias, finalmente. A sensação é estranha, há muito tempo que trabalho a um ritmo alucinante, fazendo de conta que não sinto o cansaço... Mas ele está cá, debaixo da minha pele, roendo-me os músculos, os orgãos e os ossos, apagando-me ainda mais a alegria. Mas hoje estou alegre. É boa esta sensação de estar de férias, de poder desprezar o despertador, de subitamente não ter de correr para ir a lugar nenhum... É bom e deixa-me alegre. Há muito tempo que não me sentia assim... Livre. Quando cheguei a casa e mudava de roupa em frente ao espelho, gostei do meu corpo. Emagreci dois quilos nos últimos três dias, os contornos estão mais suaves, dão-me um ar mais jovem e a roupa assenta melhor, com uma folga discreta na zona das ancas. Vou aproveitar as férias para caminhar junto ao mar, respirar fundo o cheiro da maresia, apanhar beijinhos ou sentar-me só a fumar um cigarro... Gosto de fumar à beira-mar, gosto muito. Talvez leve um livro e uma toalha e me demore por lá... Talvez leve a Luna... Os planos nasciam quando passei os portões da escola, oficialmente de férias às quatro da tarde: vou aproveitar estes dias que tenho livres antes de partir e vou fazer só o que me apetecer. Talvez vire a casa do avesso, talvez arrume papéis, talvez leia muito e durma a sesta, talvez me meta no meu carro e siga para um shopping qualquer, a deambular em frente às montras à procura de coisa nenhuma... Não peço nada à vida mas quero aproveitar tudo o que ela me dá. E a vida dá-me uns dias de férias, a vida dá-me quatro dias de solidão boa, com a casa vazia, só para mim, sem ter que gerir os minutos das minhas horas em função dos filhos, das refeições, das compras, do banho da mamã, das aulas da faculdade, das aulas para dar, sem responsabilidade alguma que não seja a de ser feliz nesta solidão. Quatro dias e quatro noites: meus. Só meus. E depois parto de férias com os colegas. Vai ser bom partir, sair daqui, dos mesmos horizontes, da rotina, dos cenários conhecidos. Vai ser bom olhar outros lugares e saber que aqui, a vida de todos os que amo continua perfeitamente sem mim, que quando eu regressar tudo estará no seu lugar como se eu não tivesse partido. Que não farei falta a ninguém. Sinto-me à beira de uma mudança radical na minha vida e o coração dói-me quando a penso, debate-se aflito e tenta lutar. Mas é em vão, pois a decisão está tomada. Pensei nas palavras que me foram ditas há uns dias: congelar o coração. Pensei muito e achei até que seria uma solução, talvez a única para ultrapassar este vendaval... mas não seria possível. Os corações congelados acabam por derreter, um dia apanham-nos distraídos e basta uma música que se ouve ao fundo, um lugar por onde se passa, uma palavra, uma memória, uma silhueta que se nos atravessa no caminho e que de repente nos parece ser alguém que conhecemos... e o coração derrete, pulsa cheio de vida e volta a comandar todos os passos. Por isso não posso congelá-lo. Tenho que o arrancar do peito. Tenho que o calar para sempre, para continuar a vida. Talvez seja possível viver sem coração, não ceder a emoções, não vacilar perante as vontades, dominar a tempestade de sentimentos que não consigo entender. Talvez seja fácil ouvir apenas e para sempre, a razão. De novo o aperto no peito... porque eu não sou assim. Eu nunca fui assim. Mas tenho que tentar. Tenho quatro dias para tentar. Quatro dias de férias. E de muita solidão.
quarta-feira, 31 de março de 2010
terça-feira, 30 de março de 2010
Comigo
Não é ninguém, eu sei. Já fui ver. E confirmei. Duas vezes. Não é ninguém, a casa dorme e eu ouço passos nas escadas. Ouço-os pisar a carpete devagar e fazem estalar a madeira nos dois degraus que rangem. Sobem e descem, ininterruptamente. Há muito tempo que não os ouvia mas hoje voltaram, nesta noite fria e triste, com o vento asobiando junto à janela aqui tão perto. O gato está agitado, os olhos muito azuis puseram-se subitamente negros de inquietude e a cauda agita-se freneticamente denunciando-lhe o medo. Talvez também ele os ouça, os passos lentos na escadaria... ou talvez veja o que eu não consigo ver. Só sinto. E ouço. Mas no entanto, não tenho medo. Descobri que só os sinto, que só os ouço, que só me procuram quando estou muito triste, ou muito só. Como hoje. Como agora. Talvez venham por bem e queiram fazer-me apenas companhia... E talvez eles consigam fechar os buracos que tenho no peito e devolver-me o sono.
terça-feira, 16 de março de 2010
A duas mãos
Conheces aquela sensação de se saber uma resposta sem se ter perguntado, só porque não a queremos ouvir? Porque temos medo de a ouvir? Eu sinto-a muito forte, assustadora... Porque sei sem te ter perguntado. Acho que já sei há muito tempo... Simplesmente andei a fazer de conta, a achar que talvez... que se calhar... que pode ser que ainda... Mas não. Tu já não voltas. Sinto-o. Nunca mais voltarás a usar a chave que te dei. Talvez já não acredites... Talvez te sintas desconfortável... Talvez a tua certeza não seja do tamanho da minha. Mas o meu coração sabe que a nossa casa já não existe. Desabou no dia em que bateste com a porta pela última vez e é difícil reconstruí-la. Porque eu sei que tu não queres. Não percebo porque não mo dizes frontalmente e deixas esta espera prolongar-se, arrastar-se... Sabes, desde que te mandei a chave, regresso vezes sem conta, sempre na esperança de te reencontrar, de te ter no lugar onde pertences, como se nunca tivesses partido... Mas tu não estás. E aquele espaço deixou de ser nosso, deixou de ser a nuvem onde eu te encontrava, onde falávamos a sós porque não existia mais ninguém.
Quando se duvida, quando não se age com uma certeza inabalável, quando se adia uma decisão, é porque uma outra já foi tomada... Só não entendo porque me disseste que querias voltar, se afinal não tinhas a certeza de querer fazê-lo. Sabes, aquele espaço que era nosso, é a coisa mais especial que possuo, o meu segredo mais precioso. Começou por ser um sonho, depois foi construído, pedra sobre pedra e ficou aquele lugar tão lindo, aquele cofre cheio de tesouros, como eu chamo às tuas palavras. Depois, foi sendo lentamente abalado pelos terramotos das tuas partidas, foi ficando vazio de sonhos, foi-se silenciando. E agora está à espera, à espera que tu entres para se encher de sol, ou de água...
terça-feira, 9 de março de 2010
segunda-feira, 8 de março de 2010
O que não foi feito
Menti-te. Desculpa... Não queria preocupar-te, foi por isso. Foi só por isso que menti quando falaste na minha palidez, nas olheiras, no ar cansado... Foi só por isso que me aninhei no teu colo e fingi ter adormecido enquanto brincavas com as pontas do meu cabelo e me afagavas as costas. Não quero que saibas que ando triste, não quero que me vejas chorar. Mas tu conheces-me tão bem... desculpa ter-te mentido. Ainda bem que me abraçaste, que me sorriste, que perguntaste por mim. Hoje, mais do que nunca, precisava de um abraço, de um gesto de ternura, de uma voz que me tirasse o peso que carrego no peito... Que me fizesse esquecer a saudade e a solidão.
E depois, quando te deixei, entrei no carro e andei devagar pela cidade, a música tocando baixinho e o vidro aberto para respirar melhor. Hoje acordei com uma música e não consigo deixar de a cantar. Estou completamente apaixonada por ela... Ouço-a agora, na página do You Tube. Ela termina e eu reinicio-a, estou há horas nisto... É tão bonita, e as palavras fazem-me pensar em tanta coisa, tanta coisa em que eu não devia acreditar...
sexta-feira, 5 de março de 2010
...
A RFM toca baixinho a música doída da tua banda preferida. Aquela que tem um nome difícil de dizer (tu sabes que eu sou azelha com o inglês), qualquer coisa relacionada com abóboras que saltam. Pouco importa. A música é muito bonita e leva-me até ti. Entristeci ainda mais... Apetece-me tanto conversar contigo...
E nem sequer consigo escrever.
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