terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Há dias em que acordamos e não nos reconhecemos. Olhamo-nos no espelho e vemos um reflexo familiar. A mesma imagem que vimos tantas vezes.Mas há dias em que não reconhecemos a pessoa que parece habitar dentro de nós. Acordamos e um estranho ocupou o nosso corpo durante a noite, invadiu espaços privados, abriu cartas antigas, queimou fotografias e afixou outras nas paredes e pôs a tocar o mesmo disco vezes sem conta.Há noites em que a noite nos transforma, resgatando personagens de livros e transportando-as para dentro de nós, mostrando-nos que não somos um, mas um milhão de possibilidades.

Um milhão e uma possibilidades.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Quase perfeito...

Foi um encontro quase perfeito... mas eu tinha que estragar tudo... Não devia ter-te falado em falta, em saudade, percebi que as palavras proferidas te fizeram recuar como se te tivessem esbofeteado...
Que mania tão estúpida esta, de ter sempre o coração ao pé da boca, de soltar assim as emoções, como se este amor me sufocasse o peito e fosse necessário, imperioso, gritá-lo sempre que estou contigo...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A sós comigo


Tenho as mãos feridas e o peito sereno, cheio de uma solidão boa, uma solidão só minha onde me revejo como num espelho. Passei o dia a sós comigo, exorcizando fantasmas. Esta minha velha mania de me atirar furiosamente às limpezas quando não consigo arrumar a vida! Acho que fui sempre assim e agora, com o ano a terminar, preciso de passar a pente fino os recantos da vida e da alma. Iniciei as arrumações hoje. Nenhum armário, gaveta, roupeiro, prateleira, escapará à selecção implacável que hoje teve início... e é como se arrumando a casa, arrumasse também os meus fantasmas. Decidi deitar fora todos os livros de que não gosto ou que já não me são úteis, toda a roupa que nunca mais me servirá, todo o calçado que me magoa o caminhar, todos os papéis inúteis, todas as recordações que me apetece apagar... quero entrar no novo ano sem objectos inúteis, sem pesos na alma, sem lixo na vida. Vivi este dia sozinha, este dia inteirinho, e termino-o a sós comigo. Sinto-me estranhamente calma e profundamente triste... com um vazio nas mãos que não consigo preencher... Não me apetece falar com ninguém, ver ninguém, estar em nenhuma companhia que não seja a minha... Aqui respiro sem disfarce, aqui posso chorar as lágrimas que segurei o dia todo, aqui não reprimo as emoções. Isto que sinto e que me sufoca o peito, não tenho a quem contar e não interessaria a ninguém... De certo modo, sei que estou por minha conta, que do outro lado do silêncio só existe o meu rosto, e aceito esta verdade com serenidade. Às vezes, só estamos bem na nossa própria solidão... e surpreendentemente bastamo-nos a nós próprios, completamo-nos a sós connosco...

domingo, 21 de dezembro de 2008

Apago...



Hoje consegui fazer tudo mal. Falhei as palavras, falhei os tempos, falhei os silêncios e os sorrisos...
Hoje errei todas as horas do meu dia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Procurei contar há quantos dias não te digo Amo-te e não me lembro já. Perdi-me nos dedos das mãos vazias de ti. E faz-me falta dizer-to todos os dias, várias vezes, todas as vezes, porque tenho muito medo que o esqueças...

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008


Eram seis e um quarto quando desististe. Foi a essa hora que o médico desligou as máquinas, soltou os tubos que quase te cobriam por completo, retirou a máscara e assinou a certidão de óbito. Seis e um quarto. Nesse momento, eu estava a tomar café com uma pessoa que amo muito e de quem tenho andado perdida. A conversa deslizava entre coleccionismo, memórias de infância, superstições, simbologia, Fernando Pessoa, espiritismo, reencarnação, morte e vida, almas gémeas e desencontros eternos... Foi uma conversa serena como são quase todas as nossas conversas... e boa... e quente. Quando tu morreste, eu estava provavelmente a lutar para que os meus olhos não se demorassem nos dele tempo demais, evitava talvez que ele percebesse o nervosismo que a presença dele sempre me causa e que se deixava trair no brincar com o isqueiro, no dobrar vezes sem conta o pacote de açucar... Falei-lhe de ti, da última vez que te tinha visto e tu nem sabias que eu ali estava... do fio que nos prende à vida, tão frágil, do meu terror da morte... Foi difícil conversar hoje... O pensamento dispersava-se, talvez por causa dos medicamentos hipotensores, sentia a fala entaramelada e havia muitas emoções dentro do meu peito...
À hora em que partiste provavelmente eu proferi o teu nome. Não sei onde estás agora. Só sei que já não és aquele corpo que amanhã velarei na igreja, ali só estará o teu invólucro, que apodrecerá debaixo da terra gelada. Por isso, desejo à parte de ti que às seis um quarto voou para um outro sítio, uma viagem serena.
Descansa em paz.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Nas asas da memória

Tens um jeito natural de inclinar ligeiramente a cabeça quando ouves com atenção e a madeixa rebelde do teu cabelo macio, tomba livremente sobre o teu rosto bonito. E depois sorris. Sorris o teu sorriso mais encantador, diferente de todos os que conheço, um sorriso muito meigo, muito doce, que ilumina mais o luar dos teus olhos castanhos e enche de cor a minha memória.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Tudo em mim


Sabes, de toda a nossa história fica a minha alma amarrotada e a minha consciência tranquila. Lutei por ti tudo o que podia. Tudo o que sabia. Lutei com desespero contra marés adversas, guerreei os ventos, os tempos e os deuses... Fintei o destino. Fui buscar-te vezes sem conta aos confins de ti, a sítios tão longínquos que nem tu acreditavas que pudesse haver regresso. Hoje concluo que difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que mais se ama.

Eu desisti.

Mas não penses que foi por não ter coragem de lutar. Foi sim, por não ter mais condições de sofrer. Por não te sentir sereno e forte do meu lado, por ter lido nos teus olhos a inquietação de quem não é feliz comigo, por perceber que vacilas, que hesitas, que receias, que duvidas do que somos... Porque a dor da tua ausência me rasga o peito, porque os silêncios, os teus e os meus, se tornaram insuportáveis e ensurdecedores, por ter entendido finalmente que já não olhamos na mesma direcção, que não somos já o pilar forte um do outro, o alicerce que julgámos que nunca ruiria... Por tudo isto eu te liberto, eu desisto de lutar por ti. Desta vez sou eu quem vai embora. Sinto-te inclinado num precipício, braços abertos, peito erguido e rosto levantado à espera da rajada de vento fresco que te lance no voo... Pois bem, não te prendo mais, nada mais te agarra a mim e podes ser livre de novo, podes continuar o voo da tua vida sem amarras ou cadeias. Devolvo-te a tua liberdade e com ela a serenidade que perdeste comigo. O teu coração é finalmente livre. Não tenho maior prova de amor para te dar do que esta, a de que desisto amando-te deste jeito louco, desesperado... do único jeito que sei amar-te.
E afinal, desistir é apenas uma outra forma de luta, a única que eu encontro para conservar para sempre tudo o que és em mim.
O tudo que tu és em mim.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Todo o tempo do mundo


Hoje tentei ligar-te várias vezes mas tinhas o telefone desligado. Não importa o que tinha para dizer-te, agora já não importa. A única coisa importante é o teu desejo de solidão, a tua necessidade de recolhimento, de isolamento. Não me queres ver, não tens nada para me dizer e eu compreendo-te, acredita que sim. É só por isso que venho dizer-te que não te perseguirei, não te procurarei, respeitarei o que sentes. Compreendi a mensagem... Ficarei deste lado, em silêncio também, até que passe a monção, até que as rosas ganhem cor de novo...
Sabes, tinha planos para amanhã... Por motivos profissionais que tu conheces, poderíamos almoçar juntos no nosso restaurante e depois, com calma, desceríamos à praia até ao entardecer... Tenho saudades de conversar contigo, de saber de ti, de te amar em cada sorriso, em cada palavra. Mas os planos rasgaram-se... e eu sei que tem que ser assim, que precisas deste tempo para reencontrar a serenidade.
Quanto a mim... não te preocupes, eu sei esperar. O tempo que for preciso.
Tenho todo o tempo do mundo para ti.
Aceita um beijo... e fica bem.