Eram seis e um quarto quando desististe. Foi a essa hora que o médico desligou as máquinas, soltou os tubos que quase te cobriam por completo, retirou a máscara e assinou a certidão de óbito. Seis e um quarto. Nesse momento, eu estava a tomar café com uma pessoa que amo muito e de quem tenho andado perdida. A conversa deslizava entre coleccionismo, memórias de infância, superstições, simbologia, Fernando Pessoa, espiritismo, reencarnação, morte e vida, almas gémeas e desencontros eternos... Foi uma conversa serena como são quase todas as nossas conversas... e boa... e quente. Quando tu morreste, eu estava provavelmente a lutar para que os meus olhos não se demorassem nos dele tempo demais, evitava talvez que ele percebesse o nervosismo que a presença dele sempre me causa e que se deixava trair no brincar com o isqueiro, no dobrar vezes sem conta o pacote de açucar... Falei-lhe de ti, da última vez que te tinha visto e tu nem sabias que eu ali estava... do fio que nos prende à vida, tão frágil, do meu terror da morte... Foi difícil conversar hoje... O pensamento dispersava-se, talvez por causa dos medicamentos hipotensores, sentia a fala entaramelada e havia muitas emoções dentro do meu peito...
À hora em que partiste provavelmente eu proferi o teu nome. Não sei onde estás agora. Só sei que já não és aquele corpo que amanhã velarei na igreja, ali só estará o teu invólucro, que apodrecerá debaixo da terra gelada. Por isso, desejo à parte de ti que às seis um quarto voou para um outro sítio, uma viagem serena.
Descansa em paz.
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