sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

A sós comigo


Tenho as mãos feridas e o peito sereno, cheio de uma solidão boa, uma solidão só minha onde me revejo como num espelho. Passei o dia a sós comigo, exorcizando fantasmas. Esta minha velha mania de me atirar furiosamente às limpezas quando não consigo arrumar a vida! Acho que fui sempre assim e agora, com o ano a terminar, preciso de passar a pente fino os recantos da vida e da alma. Iniciei as arrumações hoje. Nenhum armário, gaveta, roupeiro, prateleira, escapará à selecção implacável que hoje teve início... e é como se arrumando a casa, arrumasse também os meus fantasmas. Decidi deitar fora todos os livros de que não gosto ou que já não me são úteis, toda a roupa que nunca mais me servirá, todo o calçado que me magoa o caminhar, todos os papéis inúteis, todas as recordações que me apetece apagar... quero entrar no novo ano sem objectos inúteis, sem pesos na alma, sem lixo na vida. Vivi este dia sozinha, este dia inteirinho, e termino-o a sós comigo. Sinto-me estranhamente calma e profundamente triste... com um vazio nas mãos que não consigo preencher... Não me apetece falar com ninguém, ver ninguém, estar em nenhuma companhia que não seja a minha... Aqui respiro sem disfarce, aqui posso chorar as lágrimas que segurei o dia todo, aqui não reprimo as emoções. Isto que sinto e que me sufoca o peito, não tenho a quem contar e não interessaria a ninguém... De certo modo, sei que estou por minha conta, que do outro lado do silêncio só existe o meu rosto, e aceito esta verdade com serenidade. Às vezes, só estamos bem na nossa própria solidão... e surpreendentemente bastamo-nos a nós próprios, completamo-nos a sós connosco...

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