sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Calma

Com uma estranha e assustadora calma, fecho esta porta na minha vida. Talvez a abra um dia, quem sabe. Talvez. Ou talvez a minha voz não volte a ouvir-se e tese nenhuma chegue algum dia a ser escrita. Escrevi os e-mails aos professores e à orientadora, arrumei todos os livros que me falavam de Amor, de Erotismo, de David Mourão-Ferreira. Rasguei papéis e apaguei pastas no computador e na pen. A universidade é um espaço de portas cerradas a sete chaves, onde não quero voltar.
Respiro fundo. E sim, deixo que as lágrimas caiam... Afinal, esta é só mais uma das coisas em que fracassei. É só mais uma das minhas derrotas... Só mais uma.

Contigo esta noite

Sonhei contigo esta noite. Caminhávamos de mãos dadas e as nossas alianças batiam uma na outra e faziam-se ouvir num tilintar de aço que refulgia ao sol. Era Verão e estava calor. Tu cheiravas a ti e tinhas os cabelos molhados, como se tivessem sido acabados de lavar. Tinhas a barba comprida e macia, como eu gosto tanto de te ver, e vestias a camisa branca que eu adoro e não te vi usar este ano.
Sonhei contigo esta noite. Eu trazia o meu vestido vermelho e a carteira castanha que me ofereceste há uns anos numa Páscoa qualquer. Sorríamos ambos e estávamos felizes. Conversávamos e caminhávamos de mãos dadas, mas não me lembro o que dizíamos... Parámos de repente junto a um muro alto e do outro lado via-se o mar. Ficámos a olhá-lo em silêncio, debruçados sobre o muro e tu beijavas-me o cabelo e a nuca, abraçavas-me pela cintura... E depois, levantaste a saia do meu vestido e despiste-me lentamente as calcinhas, que guardaste no bolso dos teus jeans. Prendeste-me pelas ancas e entraste em mim por trás, com ternura primeiro e depois com tesão, em ondas de prazer que cheirava aos nossos corpos...
Sonhei contigo esta noite. Sonhei que nos amámos junto ao mar, numa fome incontrolável um do outro... Sonhei contigo esta noite... E estávamos juntos. E estávamos felizes.

sábado, 13 de novembro de 2010

Um poema para ti


Contei-te há pouco da minha solidão à mesa do café. Do quanto desejei ter-te ali comigo, sorrindo-me do outro lado da mesa, o corpo dizendo tudo o que as palavras calavam... Contei-te do quanto queria a tua mão no meu joelho por baixo da mesa, os nossos dedos tocando-se de raspão, enganando os olhares do mundo num momento só nosso... Mas não te contei do poema que te fiz e que fala do mar que há por dentro dos teus olhos, do sol que brilha no teu sorriso tão lindo quando estás feliz... Não te contei que esse poema não pode morar aqui porque pertence à nossa casa... Não te contei que passei por lá sem entrar porque me assustam muito as portas cerradas e as casas vazias... Não te contei que me falta essa nuvem azul onde me encontro contigo em cada palavra, no fim de todas as frases... E tenho a certeza que também não te contei que me sinto perdida e insegura porque não posso aninhar o meu poema no escuro e no frio de uma casa desabitada, onde não ouço os teus passos ou o teu riso...
Não posso, sabes? Mesmo que o meu poema seja para ti.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um dia...


Procuro a calma. Espero-a. Chegará um dia, quando o teu nome já nada significar para mim. Quando não te recordar todos os minutos do meu dia. Quando não doer este farrapo cá dentro de mim, este peito que arde, rasgado em mil vazios. Quando eu já não tiver pena, muita pena. Quando eu for capaz de acreditar que as tuas palavras tinham um motivo, uma razão de ser. E que as sentias. A calma chegará quando eu descobrir que não era mesmo possível, que foi um sonho longe demais, alto demais.
Nesse dia, conseguirei sorrir-te, olhar-te nos olhos e acreditar que procurávamos juntos aquilo que os homens não têm, porque é privilégio dos deuses: o verdadeiro amor. Um amor imenso, maior do que a nossa vontade, do que a nossa razão. Um amor que mandava em nós e nos guiava os passos e os gestos, as palavras e o sentir. Um amor que fez doer muito, cheio de lágrimas e desespero, mas também o único que fazia bater com força o coração e queimava o corpo, incendiava a pele.
Um dia vou contar-te. Vou contar-te o tanto que eu queria que desse certo, o tanto que me deste, o nada que me deixaste... Um dia, serei capaz de ouvir o teu nome sem desabar. E de te olhar nos olhos sem me lembrar que foste o meu sol, a minha vida, a minha água... teimosamente, mesmo vivendo debaixo de fogo.
Quando a calma chegar, vais ver, vou ser capaz de te dizer o tudo que te amei... E não vai doer.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Regressar


Regressamos sempre aos lugares onde fomos felizes.
Abro esta porta com saudade... e com vontade de ficar.

sábado, 24 de julho de 2010

Um pedaço de nada


Sentei-me lá fora nos degraus durante muito tempo. O frio do mármore atravessava-me a roupa e senti muito frio... E no entanto, uma lua enorme, muito branca, muito brilhante, emoldurava o céu. Esta é aparentemente uma noite igual a todas as noites... A calma e o silêncio pesam-me como chumbo e sei que esta noite não dormirei. Porque esta noite não é igual às outras. Esta noite venho despedir-me. Venho fechar esta porta sobre mim, sobre as minhas emoções mais secretas, mais doídas e mais felizes... Gosto deste espaço, gosto muito. Gosto do título... Um Rasto de Perfume... O rasto do teu perfume. Do perfume da tua pele. Do teu cabelo acabado de lavar. Do tabaco nas pontas dos teus dedos. Do suor no fim do amor. Do sexo feito com saudade e loucura. Tantos perfumes... Sei-os de cor, os teus perfumes. Estão na minha memória e dentro de mim.
Fecho esta porta com uma tristeza infinita... E sinto-me um caco de vidro partido... um grão de areia... um pedaço de nada.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Ondas


A serenidade paira à minha volta e dentro de mim. Uma estranha calma envolve tudo e eu respiro-a fundo, sustenho-a no meu peito, abraço-a. Do outro lado da noite, tu. Tão longe e tão perto de mim, tão fora e tão dentro, correndo-me no sangue, pulsando-me no coração. Vou deitar-me contigo hoje. Com a tua memória, com a memória do silêncio daquela praia deserta e da noite escura na última noite em que nos pertencemos, em que fomos tão felizes... A memória da tua voz sussurrando-me coisas inconfessáveis, das tuas mãos entre as minhas enquanto conduzo, do teu jeito meigo de me acenderes um cigarro e de o partilhares comigo, do teu cheiro e da tua pele... Do teu abraço.
Apetece-me ficar contigo esta noite, assim, abraçada a ti. Por isso, tu sabes, eu tinha de vir aqui fumar o último cigarro contigo. Eu tinha de dizer-te tudo isto nesta estranha calma que me invade... Não, não são saudades... São ondas. Apenas ondas... Ainda as tuas ondas a bater em mim...

domingo, 4 de abril de 2010

Raiva da vida, raiva, uma raiva enorme que me cega. Desespero, revolta, ódio de tudo...
Vontade de gritar onde ninguém me ouça, vontade de chorar até secar o peito. Até parar esta dor.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Arrancar o coração

Estou de férias, finalmente. A sensação é estranha, há muito tempo que trabalho a um ritmo alucinante, fazendo de conta que não sinto o cansaço... Mas ele está cá, debaixo da minha pele, roendo-me os músculos, os orgãos e os ossos, apagando-me ainda mais a alegria. Mas hoje estou alegre. É boa esta sensação de estar de férias, de poder desprezar o despertador, de subitamente não ter de correr para ir a lugar nenhum... É bom e deixa-me alegre. Há muito tempo que não me sentia assim... Livre. Quando cheguei a casa e mudava de roupa em frente ao espelho, gostei do meu corpo. Emagreci dois quilos nos últimos três dias, os contornos estão mais suaves, dão-me um ar mais jovem e a roupa assenta melhor, com uma folga discreta na zona das ancas. Vou aproveitar as férias para caminhar junto ao mar, respirar fundo o cheiro da maresia, apanhar beijinhos ou sentar-me só a fumar um cigarro... Gosto de fumar à beira-mar, gosto muito. Talvez leve um livro e uma toalha e me demore por lá... Talvez leve a Luna... Os planos nasciam quando passei os portões da escola, oficialmente de férias às quatro da tarde: vou aproveitar estes dias que tenho livres antes de partir e vou fazer só o que me apetecer. Talvez vire a casa do avesso, talvez arrume papéis, talvez leia muito e durma a sesta, talvez me meta no meu carro e siga para um shopping qualquer, a deambular em frente às montras à procura de coisa nenhuma... Não peço nada à vida mas quero aproveitar tudo o que ela me dá. E a vida dá-me uns dias de férias, a vida dá-me quatro dias de solidão boa, com a casa vazia, só para mim, sem ter que gerir os minutos das minhas horas em função dos filhos, das refeições, das compras, do banho da mamã, das aulas da faculdade, das aulas para dar, sem responsabilidade alguma que não seja a de ser feliz nesta solidão. Quatro dias e quatro noites: meus. Só meus. E depois parto de férias com os colegas. Vai ser bom partir, sair daqui, dos mesmos horizontes, da rotina, dos cenários conhecidos. Vai ser bom olhar outros lugares e saber que aqui, a vida de todos os que amo continua perfeitamente sem mim, que quando eu regressar tudo estará no seu lugar como se eu não tivesse partido. Que não farei falta a ninguém. Sinto-me à beira de uma mudança radical na minha vida e o coração dói-me quando a penso, debate-se aflito e tenta lutar. Mas é em vão, pois a decisão está tomada. Pensei nas palavras que me foram ditas há uns dias: congelar o coração. Pensei muito e achei até que seria uma solução, talvez a única para ultrapassar este vendaval... mas não seria possível. Os corações congelados acabam por derreter, um dia apanham-nos distraídos e basta uma música que se ouve ao fundo, um lugar por onde se passa, uma palavra, uma memória, uma silhueta que se nos atravessa no caminho e que de repente nos parece ser alguém que conhecemos... e o coração derrete, pulsa cheio de vida e volta a comandar todos os passos. Por isso não posso congelá-lo. Tenho que o arrancar do peito. Tenho que o calar para sempre, para continuar a vida. Talvez seja possível viver sem coração, não ceder a emoções, não vacilar perante as vontades, dominar a tempestade de sentimentos que não consigo entender. Talvez seja fácil ouvir apenas e para sempre, a razão. De novo o aperto no peito... porque eu não sou assim. Eu nunca fui assim. Mas tenho que tentar. Tenho quatro dias para tentar. Quatro dias de férias. E de muita solidão.

terça-feira, 30 de março de 2010

Comigo

Não é ninguém, eu sei. Já fui ver. E confirmei. Duas vezes. Não é ninguém, a casa dorme e eu ouço passos nas escadas. Ouço-os pisar a carpete devagar e fazem estalar a madeira nos dois degraus que rangem. Sobem e descem, ininterruptamente. Há muito tempo que não os ouvia mas hoje voltaram, nesta noite fria e triste, com o vento asobiando junto à janela aqui tão perto. O gato está agitado, os olhos muito azuis puseram-se subitamente negros de inquietude e a cauda agita-se freneticamente denunciando-lhe o medo. Talvez também ele os ouça, os passos lentos na escadaria... ou talvez veja o que eu não consigo ver. Só sinto. E ouço. Mas no entanto, não tenho medo. Descobri que só os sinto, que só os ouço, que só me procuram quando estou muito triste, ou muito só. Como hoje. Como agora. Talvez venham por bem e queiram fazer-me apenas companhia... E talvez eles consigam fechar os buracos que tenho no peito e devolver-me o sono.

terça-feira, 16 de março de 2010

A duas mãos


Conheces aquela sensação de se saber uma resposta sem se ter perguntado, só porque não a queremos ouvir? Porque temos medo de a ouvir? Eu sinto-a muito forte, assustadora... Porque sei sem te ter perguntado. Acho que já sei há muito tempo... Simplesmente andei a fazer de conta, a achar que talvez... que se calhar... que pode ser que ainda... Mas não. Tu já não voltas. Sinto-o. Nunca mais voltarás a usar a chave que te dei. Talvez já não acredites... Talvez te sintas desconfortável... Talvez a tua certeza não seja do tamanho da minha. Mas o meu coração sabe que a nossa casa já não existe. Desabou no dia em que bateste com a porta pela última vez e é difícil reconstruí-la. Porque eu sei que tu não queres. Não percebo porque não mo dizes frontalmente e deixas esta espera prolongar-se, arrastar-se... Sabes, desde que te mandei a chave, regresso vezes sem conta, sempre na esperança de te reencontrar, de te ter no lugar onde pertences, como se nunca tivesses partido... Mas tu não estás. E aquele espaço deixou de ser nosso, deixou de ser a nuvem onde eu te encontrava, onde falávamos a sós porque não existia mais ninguém.
Quando se duvida, quando não se age com uma certeza inabalável, quando se adia uma decisão, é porque uma outra já foi tomada... Só não entendo porque me disseste que querias voltar, se afinal não tinhas a certeza de querer fazê-lo. Sabes, aquele espaço que era nosso, é a coisa mais especial que possuo, o meu segredo mais precioso. Começou por ser um sonho, depois foi construído, pedra sobre pedra e ficou aquele lugar tão lindo, aquele cofre cheio de tesouros, como eu chamo às tuas palavras. Depois, foi sendo lentamente abalado pelos terramotos das tuas partidas, foi ficando vazio de sonhos, foi-se silenciando. E agora está à espera, à espera que tu entres para se encher de sol, ou de água...

terça-feira, 9 de março de 2010


segunda-feira, 8 de março de 2010

O que não foi feito

Menti-te. Desculpa... Não queria preocupar-te, foi por isso. Foi só por isso que menti quando falaste na minha palidez, nas olheiras, no ar cansado... Foi só por isso que me aninhei no teu colo e fingi ter adormecido enquanto brincavas com as pontas do meu cabelo e me afagavas as costas. Não quero que saibas que ando triste, não quero que me vejas chorar. Mas tu conheces-me tão bem... desculpa ter-te mentido. Ainda bem que me abraçaste, que me sorriste, que perguntaste por mim. Hoje, mais do que nunca, precisava de um abraço, de um gesto de ternura, de uma voz que me tirasse o peso que carrego no peito... Que me fizesse esquecer a saudade e a solidão.
E depois, quando te deixei, entrei no carro e andei devagar pela cidade, a música tocando baixinho e o vidro aberto para respirar melhor. Hoje acordei com uma música e não consigo deixar de a cantar. Estou completamente apaixonada por ela... Ouço-a agora, na página do You Tube. Ela termina e eu reinicio-a, estou há horas nisto... É tão bonita, e as palavras fazem-me pensar em tanta coisa, tanta coisa em que eu não devia acreditar...

sexta-feira, 5 de março de 2010

...


A RFM toca baixinho a música doída da tua banda preferida. Aquela que tem um nome difícil de dizer (tu sabes que eu sou azelha com o inglês), qualquer coisa relacionada com abóboras que saltam. Pouco importa. A música é muito bonita e leva-me até ti. Entristeci ainda mais... Apetece-me tanto conversar contigo...
E nem sequer consigo escrever.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Tanto se me dá

Tanto se me dá. Se chove ou faz sol, se está calor ou frio, tanto se me dá. Tanto se me dá se é tarde ou cedo, doce ou amargo, se entro ou saio, tanto se me dá. Tanto se me dá a música, o silêncio, o vazio ou a insónia, a lágrima ou o riso, o almoço e o jantar. Tanto se me dá. A escrita e a leitura, o trabalho ou o descanso, a TV ou o rádio, o fim ou o princípio. Tanto se me dá.
A vida, tanto se me dá.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Abraço-te

Hoje seria o teu aniversário se ainda estivesses connosco. Não quero esquecer-me nunca, enquanto viver, do dia em que fazias anos. Estavas sempre feliz neste dia... tão feliz! Dizias que a estrada estava a ficar cada vez mais pequenina mas que enquanto caminhasses, seria com sorrisos. E abraçavas-me muito. Tenho tantas saudades do teu abraço... Até dói, sabes? Acho que não há um dia em que não me lembre de ti, e já se passaram tantos anos... Tenho que fazer contas... Não conheceste o meu filho. Foi há muito tempo. Hoje também não me conhecerias se pudesses ver-me...
Quem foi que disse que o tempo apaga a dor?
Quem foi que disse que vai doendo menos, cada vez menos, até que é só uma saudade triste, que não magoa?
Quem foi que disse?

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

...

Apetecia-me tanto escrever... E no entanto estou tão cansada que as mãos não me obedecem... nem o pensamento. Trabalhei bem, trabalhei muito... E o powerpoint está quase pronto, do jeito que eu gosto. Claro, completo, quase perfeito. Amanhã acabo-o. Agora preciso de terminar o dia... Tinha saudades de vir aqui. Não sei porquê. Talvez porque sei que aqui me ouves, que aqui me procuras. Sinto-me estranhamente calma. Talvez do cansaço, não sei. Arrumei a mesa onde trabalhava e enquanto empilhava livros e rasgava folhas, sorria... A mesa onde te pedi para me amares está agora pronta e posta para o pequeno almoço. Nada me roubará os sorrisos da memória, nada. Tenho as mãos vazias... deitei fora as pedras, a mágoa e toda a tristeza que carregava. Tinha tantas coisas para te dizer! Ficarão no meu peito, ao lado dos sorrisos... porque eu só guardo as coisas boas... Vou descansar...
Porque a vida recomeça amanhã.

domingo, 10 de janeiro de 2010

No limite

A dor de cabeça não cede. Hoje é o quarto dia. Deito-me e levanto-me com ela, atormenta-me durante todo o dia, parece fazer já parte de mim. Impede-me de pensar. Rouba-me a energia. Não aguento a pressão sobre os olhos, a dor fina, aguda, que me rói a cervical. Dentro de mim, algo parece bater continuamente, como um eco de um tambor longínquo. Gostava de dormir. Gostava de me deitar e não acordar mais.
Que Deus me perdoe.

sábado, 9 de janeiro de 2010


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

É como cegar de repente. O escuro. O frio. O vazio. A dor. O desespero. O mundo parece ter parado de girar, a minha respiração suspensa por um fio. As vozes dos outros chegam-me de longe, como ecos distantes. A sensação estranha de estar a viver um filme onde eu não entro, onde a vida não é a minha... Tu sabes que eu não te perdoo. Nunca te perdoarei. Intimamente, tu sabes que a nossa vida jaz espalhada pelo chão, partida em mil e um pedaços... Tu sabes o que o meu corpo significa para mim. É a única coisa que possuo de verdadeiramente meu, que eu entrego só a quem eu quero, só a quem eu amo. O amor não se pede, não se exige... e no entanto exigiste-o, o meu corpo que eu não te queria dar. Tomaste-o pela força, contra a minha vontade, o meu sentir, a minha ausência de desejo de ti, só porque és maior e mais forte do que eu. E no fim acho que o percebeste, o meu nojo de ti. A minha raiva. Não, não te perdoo...
Esta noite em que não dormi, decidi uma série de coisas. Amanhã quando chegares, não estarei nesta casa, não dormirei aqui. Encontrarás o meu lugar vazio, como o meu coração. E não irei às aulas, preciso do dia para pensar, para estar sozinha. Não sei o que vou fazer, por onde vou andar, sei que vou deixar os miúdos na escola e seguir sem destino até onde o carro me levar... Não quero saber onde. Vou.
Foi difícil, o dia de hoje. Trabalhei oito horas, falei com pessoas, conversei, numa espécie de sonambulismo, como um fantasma, um corpo vazio de alma... Preciso de regressar a mim. O mais rápido possível. Preciso de chão. E de norte.
E não te preocupes, não quero nada de ti. Sossega. Traz todos os papéis que quiseres, eu assino.
O do divórcio também. Especialmente esse, eu assino.